sexta-feira, 18 de abril de 2014

PALAVRA DO DIA: “CALMA”

Teófilo era um homem muito impaciente. Aborrecia-se com frequência, queixava-se de tudo, irritava-se facilmente, e nada parecia agradar-lhe e muito menos trazer-lhe a paz de espírito tão desejada. É verdade: ele se agitava e mergulhava na insatisfação constantemente, porque não conseguia encontrar a serenidade que buscava.

Seus amigos o chamavam de Téo. Os pouquíssimos amigos que ele tinha não conseguiam livrá-lo da solidão. E Téo afastava-se cada vez mais do convívio social, porque considerava as pessoas egoístas e fúteis. É verdade: num mundo virado de cabeça para baixo, ele se considerava o único que ainda possuía os pés no chão.

E Téo, eu posso chamá-lo assim porque já fui considerado seu amigo... Como eu ia dizendo, Téo gostava muito de ler, embora nunca apreciasse o que lia. E, certo dia, seus olhos esbarraram em um poema que lhe pareceu absurdo: “Palavra do Dia”. Era um soneto, e Téo sorriu sarcasticamente ao observar que os versos, nos dois quartetos e nos dois tercetos, eram exatamente iguais: todos eles possuíam cinco vezes a palavra “calma”. Eis o poema, exatamente como Téo o encontrou no livro:


PALAVRA DO DIA

Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...

Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...

Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...

Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...
Calma, calma, calma, calma, calma...


Téo esboçou um sorriso de desdém quando leu o nome da autora desconhecida que, no mesmo instante, ele esqueceu.

Meses depois, no entanto, Téo adoeceu, e o desassossego se avolumava dentro do seu próprio ser. Téo chegou a acreditar que precisasse de ajuda. E, numa Sexta-Feira Santa, após um breve descanso que fizera depois da refeição, ele ainda estava deitado quando ouviu o coro da procissão que passava em sua rua. No início, ele se aborreceu e pensou em levantar e fechar a janela até que o canto cessasse, mas ele permaneceu deitado e, naquele momento, o poema da escritora desconhecida visitou-lhe a mente. O nome da autora ele não conseguiu se lembrar... Apesar disso, a única palavra, que repetida setenta vezes compunha o poema, saltou-lhe à mente. E Téo começou a prestar atenção em sua respiração. Ele passou a respirar profundamente. Ele enchia os pulmões de ar e, enquanto o liberava, pronunciava em pensamento a palavra “calma”. Téo inspirou o ar e o expirou, acompanhado da palavra “calma”, setenta vezes.

Pela primeira vez em sua vida, ele se acalmou e percebeu que a agitação não vinha de fora e sim do seu próprio interior. E foi só naquele momento que Téo descobriu qual era a sua prioridade na vida: “sentir-se confortável em sua própria pele”.





quinta-feira, 17 de abril de 2014

A PÁSCOA DA PROSPERIDADE

Estela estava sentada na cama, com a janela de seu pequeno quarto aberta, para obter um pouco da claridade que a noite enluarada tinha a lhe oferecer.

Ela estava triste, contando e recontando as poucas moedinhas que conseguira ganhar naquele dia tão exaustivo de trabalho. A noite também seria muito cansativa, e ela certamente dormiria pouco. Docinhos e mais docinhos!... Ela passaria boa parte da noite cozinhando. De repente, ela teve a ideia de modelar os docinhos... Estela lembrou-se de que a Páscoa estava chegando!... Ela conseguiria vender seus docinhos rapidamente na manhã seguinte, se eles tivessem o formato de coelhinhos!...

Estela não se enganara. Ela caprichou tanto que os coelhinhos pareciam ter vida. Uma criança, escolhendo seu coelhinho, chegou a dizer: “Mamãe, mamãe, ele vai saltar!”

E, a partir daquela noite em que Estela tivera aquela ideia tão singela, sua vida começou a melhorar. Os seus doces, no formato de coelhinhos, agradaram tanto às crianças, que ela não precisou mais sair para vendê-los. Aquela mesma janela aberta, que lhe ofertara a claridade da lua, permitiu que a prosperidade a visitasse diariamente. Ela afastou a cama e encostou a mesa estreita, que, por sorte, era da mesma altura do peitoril da janela, para servir-lhe de balcão, e as moedinhas não pararam mais de entrar.

Mesmo após a Páscoa, Estela continuou a vender os coelhinhos. E, depois, ela se aventurou a modelar outros bichinhos. A experiência a deixou com o ânimo renovado. Em seu coração, aquela Páscoa foi e sempre será “A Páscoa da Prosperidade”.





domingo, 6 de abril de 2014

O ELFO NEGRO E O BEIJA-FLOR

Ismael era o nome daquele ser encantado,
Que percorria a floresta como uma flecha ligeira,
Enquanto extraía notas melodiosas de sua flauta.

A sua pele era da cor do véu
Que cobre o céu
Em uma noite sem estrelas.

O seu sorriso e a sua música
Atraíam um beija-flor,
Que também decidira
Fazer daquela floresta
O seu único lar.

Certo dia, Ismael estava tocando,
Quando o pequeno pássaro
Encorajou-se a pousar em seu braço.

Ismael parou de tocar no instante
Em que o ouviu dizer:
“Eu sou a guardiã desta floresta,
E me transformei em uma ave
Para poder sobrevoá-la.
Se você aceitar o meu amor,
Você se tornará o guardião
Desta floresta e, também,
Do meu coração.”

O elfo negro, ao beber da doçura daquela voz
Que era ainda mais calorosa do que o som
Ardente e apaixonado de sua flauta, respondeu:

“Eu sempre desconfiei que essa sua aparência
Escondia a essência do verdadeiro amor.
O meu coração, que já lhe pertence,
Esta floresta, jurou proteger.”

Diz a lenda que a floresta do elfo negro
Ainda existe, e continuará existindo enquanto
O amor for preservado no coração de seus guardiões.



O MISTERIOSO BONECO DE NEVE

Naquele reino, que frequentemente estava coberto com um manto de neve, muitas histórias eram contadas sobre um boneco de neve que surgia, ninguém saberia dizer de onde, para ajudar as crianças a encontrarem o caminho de volta para casa.

É verdade!... Diz a lenda que, naquele reino, também havia um monstro que, para atrair as crianças para a sua caverna, fingia ser muito engraçado. Ele fazia caretas, e elas riam. E, enquanto se divertiam, inocentemente o seguiam até não conseguirem mais refazer o caminho que as levaria de volta para os braços amorosos de seus pais. Quando essas crianças chegavam à caverna do monstro, ele as prendia em celas formadas por gigantescas barras de gelo.

Felizmente não se tem notícia de que alguma criança, aprisionada pelo monstro, não tenha conseguido retornar. Todas elas voltaram para seus lares com a lembrança de que um simpático e gracioso boneco de neve havia aparecido para libertá-las e mostrar-lhes o caminho. 

Vocês dirão que eu inventei esta história apenas para entretê-los. Mas a verdade é que, se o misterioso boneco de neve não tivesse surgido naquela caverna para me salvar, hoje eu não poderia estar aqui, contando esta história. Por esse motivo, eu dedico esta pequena narrativa àquele misterioso ser que ainda vive no coração de todas as crianças que moravam naquele reino e foram atraídas para a caverna do monstro.



QUERO O MEU SONHO DE VOLTA!

Libertar o sonho,
E deixar que ele voe
Para bem longe.

Ver o céu tingir-se de cinza,
E sentir as lágrimas caindo
Como se fossem frias
E pesadas gotas de chuva.

Sentir o coração encolher no peito
Até não restar mais nada.
Recuperar o tempo perdido,
E ter tempo de sobra
Para gastar com coisas que
Não preenchem a ausência do sonho.

Não! Não quero ter tempo de sobra
Para gastar com coisas que não importam.
Quero o meu sonho de volta!...



A MINHA LONGA E ENIGMÁTICA ESTRADA

Nem sempre o caminho mais curto é o melhor.
Há caminhos e mais caminhos...
Um atalho poderia apressar a chegada,
Mas também poderia negar o prazer da caminhada.

A estrada mais longa, muitas vezes negligenciada,
Poderia conter o cenário capaz de prender
A atenção de nossa mente, viciada em pensamentos
Contraditórios e imediatistas que obstruem a marcha.

E esse cenário, repleto de surpresas
E prazeres inesperados, representaria
O processo de uma benéfica transformação,
E desafogaria a mente de suas banalidades.

Eu escrevo, e não ganho nada por isso.
Certo dia, pensei: “Vale a pena continuar?”
E uma voz interior me disse:

“O prazer que as histórias lhe dão
Não significa nada?!...
Apenas a remuneração por escrevê-las
É tudo o que você deseja?!...”
Eu senti o coração alçar voo
Quando respondi: “Não.”

E, naquele momento,
Não foi apenas o coração
Quem ganhou asas...

Eu também me vi sobrevoando
A minha longa e enigmática estrada.
Para onde ela me conduzirá, eu não sei.
Mas a intuição me diz que ela
É o único caminho a seguir.