quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O REI, O JARDINEIRO E A FADA


Era uma vez um rei que havia se cansado de todas as suas riquezas. Ele invejava o jardineiro, que cuidava de seus suntuosos jardins!... Ele pensava: “Nenhuma dessas rosas é dele!... E, no entanto, ele as ama!... Eu nunca senti amor por nada e nem por ninguém!... O meu coração está vazio!... Ele sempre esteve vazio!... Por que o amor se esconde de mim, que sou o rei, e derrama suas bênçãos sobre aquele jovem que nada possui?!...”.

Certo dia, o rei ordenou ao jardineiro que destruísse um canteiro de rosas, e ele respondeu: “Perdoe-me, Majestade, mas eu não compreendo por que devo fazer algo tão terrível!... Eu prefiro partir a causar tamanha desventura à fada que é responsável pela preservação daquele canteiro!...”.

O rei ordenou: “Traga essa fada à minha presença!... Faça melhor do que isso: Se é mesmo verdade que existe uma fada para cada canteiro, eu ordeno que você reúna. amanhã, pela manhã, em frente ao castelo, todas as fadas que habitam os meus jardins... A mais bela de todas será a minha rainha.”.

O jardineiro aventurou-se a dizer: “Isso é impossível, Majestade, porque a mais bela de todas as fadas casou-se com um elfo e jurou a ele amor eterno.”.

O rei gritou: “Amor!... Amor!... O amor não existe!... E, mesmo que existisse, eu o expulsaria do meu reino, porque eu nunca vi o rosto dele!... Retire-se antes que eu o expulse também!... E faça exatamente o que ordenei.”.

Na manhã seguinte, apenas a fada mais bela de todas esperava o rei em frente ao castelo. Ao seu lado, estava o jardineiro, que ficou sem ação quando ouviu o rei perguntar: “Onde está o elfo que você disse que ousou se casar com a minha futura rainha?!... Encontre-o e diga a ele que ela é minha, e o casamento está desfeito!...”.

Recobrando-se do choque que recebera da arrogância do rei, o jardineiro respondeu: “O casamento entre a fada e o elfo jamais poderá ser desfeito, porque eles juraram amor eterno um ao outro. A fada e eu viemos pedir-lhe que abandone a ideia de se casar com uma das fadas.”.

O rei advertiu: “Se não se calar, pagará muito caro por sua insolência!... Faça exatamente o que ordenei e não retorne enquanto não tiver convencido o elfo a desistir do amor da fada.”.

Foi a fada mais bela de todas quem disse: “O seu jardineiro não precisa sair em busca do elfo, porque é ele o elfo a quem jurei amor eterno. Ele se disfarçou de jardineiro apenas para proteger as flores dos seus jardins. Será você quem pagará caro por sua arrogância e insolência!... Partiremos e levaremos conosco todas as flores e as fadas que cuidam das flores!... E os seus jardins se tornarão tão improdutivos quanto o seu coração!...”.

O coração empedernido do rei não se abalou quando as flores se desprenderam dos canteiros e ganharam o céu, protegidas pelas fadas e pelos elfos, que também abandonaram os jardins.

O amor jamais fez morada no coração do rei... E, em seus jardins, a partir daquele dia, nem mesmo ervas daninhas nasceram!...



quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O DESENHISTA E O GUERREIRO


Finalmente terminei o desenho! Não ficou perfeito, mas ficou melhor do que eu esperava!... Mereço um descanso e uma xícara de café!...

Como isso é possível?!... Eu me ausentei por alguns minutos apenas e, quando retorno, não encontro o desenho!... Eu não me lembro de tê-lo guardado!...

“É essa folha em branco que você está procurando?... Eu a encontrei no chão... Por que está me olhando desse jeito?!... Eu não pretendo feri-lo com a minha espada. Eu só gostaria que você me dissesse por que estou aqui. Eu sou capaz de lutar até a morte... É só você me dizer onde e quando será a batalha.”.

Eu já sei o que está acontecendo: eu fui dormir e estou sonhando!... Amanhã, quando eu acordar, a folha com o desenho estará exatamente onde a deixei...

“Onde está a sua espada?... Não me diga que não tem uma!... Esses desenhos, foi você quem fez?... São bonitos!... Não servem para nada, mas são bonitos!... Quem é a bela jovem?!...”.

Eu não sei... Vi a foto em uma revista e resolvi dedicar a ela um pouco do meu tempo. Eu uso o meu lápis com a mesma maestria que você maneja a sua espada. É uma pena que você não seja real!... Você é tudo o que eu gostaria de ser: belo, forte e destemido. Os seus olhos, embora se assemelhem a um mar revolto, trariam paz ao coração de uma mulher que estivesse buscando o amor verdadeiro.  Eu não desperto o interesse de ninguém, porque só travo batalhas com problemas que se assemelham àquelas criaturas mágicas que, quanto mais cabeças são cortadas, mais cabeças aparecem!... Neste momento, eu trocaria o sonho pela realidade!... Deixe-me ser você!... Eu não tenho medo de reduzir o meu mundo a uma folha de papel!... Eu desejo habitar aquela folha no seu lugar.

“Você sabe que está me propondo uma troca que não poderá ser realizada, porque cada um tem o seu destino, e ele é feito sob medida. Eu considero esta espada uma parte do meu corpo. Esse objeto que você usa para desenhar não tem valor nenhum para mim. Mas você não viveria sem ele. Embora nossas habilidades sejam diferentes, elas têm a mesma função: elas permitem a descoberta do nosso potencial. Seja um guerreiro sem espada e obtenha a vitória sobre as suas limitações e os seus medos.”.

Era como eu suspeitava: tudo não passou de um sonho!... Aqui estou eu: deitado na minha cama!... E o guerreiro que desenhei está lá: inerte naquela folha. Mas uma coisa é certa: ele sou eu, e a valentia que ele tem é a coragem que transmiti a ele no momento de desenhá-lo.




domingo, 27 de setembro de 2015

MILTON E O POEMA DA PRINCESA


A biblioteca era o lugar favorito de Lidiane. Naquele castelo, ninguém ligava para os livros, e era exatamente ali que a inspiração costumava visitar o coração da princesa.

Ela estava distraída, escrevendo um poema, quando um jovem entrou e perguntou timidamente: "Atrapalho?...”. Milton se sentiu ainda mais embaraçado ao se certificar de que sua presença era indesejável... A princesa preferiu ignorá-lo... Ela nem mesmo se deu ao trabalho de levantar o olhar e responder à simples pergunta... Ela era bela e assemelhava-se a uma estrela inatingível.

Ele se sentiu o mais infeliz dos homens quando Lidiane parou de escrever e, após encará-lo com os olhos encharcados de indiferença, perguntou: “Por que está aqui?!... Se deseja ler, escolha um livro e leia!... Só não fique aí parado me observando, porque o seu olhar me incomoda.”.

Milton balbuciou: “Desculpe-me, Alteza... Eu não tive a intenção de...”. Ele não pôde completar a frase, porque Lidiane foi logo dizendo: “Cantores!... O meu pai estava certo: Teria sido melhor que tivessem nos enviado um músico!... Você deve ser o cantor que não deveria ter chegado!... Estou enganada?!...”.

Milton desculpou-se por estar ali e já se preparava para sair quando Lidiane, abrandando a voz, disse: “Perdoe-me... Eu não fui sempre assim... Eu me tornei o que sou tentando ganhar espaço para fazer o que mais gosto: escrever... Embora eu saiba que ninguém jamais lerá o que escrevo, eu tenho a necessidade de expressar os meus sentimentos em palavras.”.

Milton surpreendeu a princesa quando se atreveu a perguntar: “Posso ler o poema?...”. Revelando entusiasmo, ela respondeu: “Eu ficaria muito feliz se você o lesse!... Na verdade, esta não é a primeira vez que o escrevo... Ele é o meu poema favorito!...”.

Milton segurou a folha que Lidiane entregou a ele e leu o poema de amor, tentando esconder a emoção que sentia. Ela ficou muito feliz quando ele comentou: “É lindo!... Embora eu não saiba tocar nenhum instrumento, sou eu que componho o meu repertório. Eu tenho a certeza de que conseguiria unir o seu poema a uma melodia... Se Vossa Alteza consentisse, naturalmente.”.

À noite, depois do jantar, o rei se surpreendeu quando a princesa, em vez de se levantar e recolher-se como costumava fazer, acompanhou-o até o salão de música para assistir à apresentação do cantor recém-chegado. Ela ansiava ouvir o seu poema na voz daquele homem que conquistara o seu coração.

Na manhã seguinte, porém, quando os dois se encontraram na biblioteca, foi a decepção que levou Lidiane a afirmar magoada: “Você mentiu para mim!... As letras das músicas que você cantou não tinham nada a ver com o poema que escrevi!...”. Milton respondeu: “Eu não menti, Alteza!... O problema é que ando sem inspiração ultimamente...”.

Durante uma semana, todas as manhãs, a cena se repetia... Milton confessava não ter tido inspiração para vestir o poema com a melodia, e a princesa se entristecia. Mas houve uma noite em que ele cantou uma canção que tocou o coração de Lidiane de um modo único e inesperado...

Lidiane tentou fugir ao olhar insistente de Milton, mas não conseguiu... E, naquele momento em que ele sentiu que a princesa também o amava, ele encontrou inspiração para cantar a canção que ela tanto desejava ouvir.




sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A CRIATURA TEMPESTUOSA E A MONTANHA DA REFLEXÃO





De repente, o céu escureceu, e o vento começou a soprar anunciando a tempestade que parecia iminente.

As pessoas correram para abrigarem-se do temporal. Que temporal?!... Do céu, não caiu uma gota de chuva!... Apesar disso, todos pressentiram que algo muito terrível estava para acontecer...

E eles não se enganaram!... As nuvens enegrecidas começaram a se juntar e formaram um ser gigantesco!... O céu voltou a clarear, mas ninguém se atrevia a abandonar seu esconderijo, porque a horrenda criatura parecia tão assustada e confusa quanto eles... O barulho ensurdecedor dos trovões tornava ainda mais ameaçadora a claridade dos relâmpagos, que se desprendiam de sua cabeça e de suas mãos!...

Embora a criatura, de aspecto sobrenatural, não tirasse os pés do chão, ela se agitava, como se estivesse enfurecida e esperasse apenas o momento de atacar...

Em seu rosto, havia três crateras, e uma delas se abriu para dizer: “A negatividade de todos vocês atingiu um nível se saturação insuportável!... Eu sou fruto dessa ausência de amor e de esperança... Se eu não tivesse absorvido todo esse lixo tóxico que vocês abrigaram em sua mente e em seu coração, esta cidade ficaria eternamente mergulhada nas sombras. Eu ainda estou aqui, porque vocês não conseguem me soltar... Enquanto vocês nutrirem um único sentimento de mágoa, ódio ou rancor, eu não poderei partir. Fechem os olhos e imaginem que estão cortando, com uma espada dourada, todos os fios que os ligam a mim. Vamos, apressem-se porque eu quero me ver livre dessa situação!...”.

As pessoas, ainda amedrontadas, obedeceram e só abriram os olhos quando o barulho dos trovões cessou. Admiradas, elas começaram a caminhar em direção à estranha montanha de pedra que substituíra a criatura e bloqueara a rua.

Na sua superfície, um quadro luminoso transmitia a mensagem: “O amor é fonte de luz. As pessoas que nos amam nos transmitem força, entusiasmo e alegria. Nós também adquirimos luminosidade quando amamos.”.

O homem que me contou essa história afirmou que ela é verdadeira. Ele disse que, na face oposta da montanha, existe o mesmo quadro com a mensagem. Quando ele visitou a cidade, ele pensou em permanecer ali... Mas, em seu coração, havia o desejo de fazer com que mais pessoas tomassem conhecimento da existência daquela cidade que possui a montanha da reflexão.






segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O HOMEM, O GAROTO E O CARRINHO






Era uma vez um homem humilde que sobrevivia recolhendo objetos que as pessoas não desejavam mais. Ele era muito educado e atencioso, e sabia como cativar as pessoas; e elas sempre se lembravam dele no momento de se desfazerem de seus pertences.

Ele era feliz?!... Provavelmente não!... Mas, sem dúvida, era sábio... Ele costumava dizer que toda infelicidade nasce da insatisfação!... E, segundo ele, até um rei poderia se tornar infeliz se fosse ganancioso ou invejoso e começasse a comparar o tamanho e a riqueza de seu reino com outros reinos maiores e mais prósperos do que o dele.

Mas nem toda a sabedoria daquele homem conseguia aliviar o peso que ele carregava diariamente... Quando ele estava muito cansado e desanimado, ele costumava pensar: “Eu até pareço um animal puxando este carrinho pesado!... Mas, se ele estivesse vazio, eu também estaria reclamando, porque eu não teria o que vender!... E, se eu tivesse um cavalo e uma carroça, também estaria reclamando porque, além de sustentar a mim e a minha família, eu teria que comprar comida para o cavalo!... Não há solução!... Eu não tenho esperança de mudar de vida!... Como este carrinho pesa!... O mundo talvez pese menos do que ele!...”.

Em uma dessas ocasiões em que o pobre homem perdia a esperança e começava a falar sozinho pelas ruas, um garoto que o observava há algum tempo disse: “Se você me contratasse, eu poderia ajudá-lo!...”. O homem exclamou: “Garoto doido!... De onde um pobre diabo como eu tiraria dinheiro para contratar um empregado?!... Essa foi boa!... Pelo menos me fez rir!... Vá brincar, garoto!...”.

E o homem ficou prestando atenção no que o garoto disse: “Você não precisa pagar a minha ajuda com dinheiro... Mas você promete que, se eu o ajudar, você me emprestará o seu carrinho para eu vender os bichos de pano que o meu pai e a minha mãe fazem?!...”.

Para a alegria do garoto, o homem respondeu: “Eu posso fazer melhor do que isso!... Sou muito bom com a linha e a agulha!... Enquanto você sai para vender os bichos, eu posso ajudar os seus pais a confeccionar mais e mais e mais bichos!... Talvez a bicharada nos traga sorte e, em vez de recolher coisas velhas, eu possa ajudar você a vender os bichos!...”.

O homem e o garoto firmaram o acordo com um esperançoso aperto de mão. Os pais do garoto aceitaram a ajuda, e os quatro prosperaram muito mais do que poderiam imaginar... Eles se tornaram sócios na confecção e venda de bichinhos de pano. Com o tempo, montaram uma lojinha de brinquedos... E o carrinho, que o homem utilizara durante tanto tempo para transportar panelas e outros objetos velhos, perdeu a utilidade. Ele pensou: “Jogar esse carrinho fora, não posso porque ele é quase um parente... Mas posso dar a ele uma serventia melhor: Vou pintá-lo e enchê-lo de flores para enfeitar a entrada da nossa loja!...”.

Atualmente, a loja ainda existe, e o carrinho ainda está lá, alegrando os olhos de todos que o contemplam.  




O HOMEM FANTASIADO E O ESCONDERIJO DO GAROTO


Era uma vez um mundo sobre o qual a luz não brilhava. As pessoas eram tristes e se ressentiam por terem que viver na mais completa escuridão.

Certo dia, um homem se vestiu com uma roupa estranha... Pintou o rosto... Colocou uma peruca extravagante... E saiu rindo e cumprimentando a todos que encontrava em seu caminho.

Um desconhecido perguntou: “Ficou louco, homem?!... Volte para casa antes que o machuquem!... Ninguém aqui está para brincadeiras!...”. E o homem fantasiado respondeu: “Você não entende!... Não existe luz fora de nós, porque a nossa luz interior está apagada. Eu acendi a minha com uma dose de alegria!... Beba você também dessa bebida mágica!...”.

E o homem fantasiado teve que se esconder para não ser capturado pelas pessoas que pensavam que ele estivesse doente e desejavam levá-lo a um hospital.

A preocupação insana daquelas pessoas, em vez de deprimi-lo, trazia ao seu coração ainda mais alegria... Era mais do que isso: o coração dele estava iluminado!...

Um garoto aproximou-se devagarinho e agachou-se ao lado dele, atrás da árvore. O homem fantasiado surpreendeu-se quando ouviu o garoto dizer baixinho: “Eu conheço um lugar onde você poderá se esconder. Não faça barulho... Venha comigo.”.

Sem questionar, o homem fantasiado seguiu o garoto, e ele o conduziu até uma cachoeira. O garoto disse: “Atrás dessa cachoeira, existe uma passagem... Eu e os meus amigos costumamos vir aqui todos os dias... Você tem que prometer que não trairá o nosso segredo.”.

Curioso, o homem fantasiado perguntou: “O que existe lá de tão especial?...”. Os olhos do garoto brilharam quando ele respondeu: “Magia. A escuridão que envolve o nosso mundo não tem lugar nesse esconderijo onde a alegria ilumina a nossa imaginação. Venha...”.

O homem fantasiado exclamou: “Não!... Espere!... Não podemos ser egoístas!... Precisamos contar aos outros sobre esse lugar mágico que você e os seus amigos descobriram!...”. Pacientemente, o garoto disse: “Seria inútil porque eles não acreditariam. E, pior do que isso, seria eles invadirem o nosso lugar secreto, porque a luz que há nele não seria suficiente para iluminar a escuridão que eles carregam.  Confie em mim... Venha...”. 



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A PRINCESA JOSENIRA E O BEIJO DE AMOR


A mãe da princesa Josenira morreu no momento em que ela nasceu, e a garotinha cresceu ouvindo as criadas do castelo dizerem: “Josenira, querida, nunca se case, porque os homens são todos iguais: nenhum deles presta.”.

E a jovem princesa ficou terrivelmente preocupada quando o seu pai disse: “Eu não poderei governar eternamente... Eu preciso que você se case e me dê um herdeiro. Você tem exatamente um mês para decidir quem será o seu marido.”.

Josenira aventurou-se a perguntar: “O que acontecerá se eu me recusar a escolher alguém?...”. O rei respondeu: “Eu mesmo escolherei um marido para você: o mago Ataliba.”.

Josenira exclamou entre lágrimas: “Não!... Não e não!... Mil vezes não!... Ele me assusta!... Eu jamais me casaria com um mago!... Eu rezarei e pedirei para a minha Mãezinha me mostrar, durante o sono, o rosto do homem com o qual eu devo me casar.”.

E Josenira, naquela mesma noite, numa prece fervorosa, conversou com sua mãe e pediu a ela que lhe enviasse um sinal. Quando Josenira adormeceu, ela teve um sonho que ficaria gravado para sempre em seu coração. Ela estava sentada em um banco do jardim do castelo, e um jovem mascarado aproximou-se e disse: “Beije-me, Josenira.”. Inexplicavelmente, ele conseguia atraí-la de um modo irresistível... Ela se deixou envolver em seu abraço e o beijou como se aquele beijo fosse tudo o que ela mais desejasse na vida.

A princesa acordou atordoada. Após refazer-se da emoção, ela foi procurar o rei para dizer: “Pai, eu só me casarei com o homem que beijei esta noite no meu sonho.”.

Alarmado, o rei perguntou: “Você beijou um homem enquanto dormia?... Quem é ele?”. A princesa respondeu: “Eu não sei, mas eu hei de descobrir, nem que para isso eu tenha que beijar todos os homens do reino.”.

O rei exclamou: “Você enlouqueceu!... Se você beijar alguém que não seja o seu futuro esposo, eu terei que mandar matá-lo!...” A princesa sugeriu: “Em vez disso, poderá pedir ao mago Ataliba que os transforme em estátuas de pedra para enfeitarem o jardim. Naturalmente eu exagerei quando disse que beijaria todos os homens do reino... Eu mal suporto a ideia de ter que beijar um que não seja o homem que beijei no meu sonho!...  Dezessete!... Apenas dezessete!... Permita, pai, que eu beije dezessete pretendentes!... O meu príncipe há de ser um deles!...”.

Uma semana depois, Josenira quase voltou atrás em sua decisão quando viu os dezessete príncipes enfileirados, aguardando o seu beijo de amor. Ela beijou o primeiro, beijou o segundo e continuou beijando aqueles homens, cujo beijo nada tinha a ver com o beijo que ela retribuíra em seu sonho. Enquanto beijava o décimo sétimo pretendente, ela desmaiou em seus braços.

Josenira adoeceu gravemente, e os homens que ela beijara foram transformados em estátuas. Desesperado, o rei disse: “Filha, você não precisa se casar... O meu único desejo é que você se restabeleça.”.

A princesa murmurou: “Agora é tarde. Eu desejei morrer para fugir ao casamento, e agora a morte está aqui ao meu lado e me aconselha a limpar a minha consciência antes de partirmos: Ordene ao mago Ataliba que traga de volta à vida os homens que foram transformados em estátuas.”.

Pesaroso, o rei foi procurar o mago para ordenar-lhe que cumprisse o desejo da princesa. Sem demonstrar o menor embaraço, Ataliba respondeu: “Eu faria o que a princesa Josenira deseja, se eu pudesse. Apenas Reinaldo seria capaz de devolver a vida àqueles homens, mas eu receio que ele não esteja em seu juízo perfeito. Ele era um grande mago, mas teve um sonho que o levou à loucura. Eu tentei ajudá-lo, mas ele se recusa a falar sobre o sonho. Ele só sabe dizer que teve um sonho, e é por causa do sonho que ele começou a usar aquela máscara. Ele não está em condições de ajudar nem a si mesmo... Eu duvido que ele consiga reverter o feitiço.”.

O rei mal prestou atenção à história que o mago Ataliba contou sobre o mago Reinaldo. Ele ordenou: “Traga já esse homem.”

Quando Ataliba chegou ao castelo acompanhado de Reinaldo, o rei surpreendeu-se com a rapidez que ele desfez o encanto que havia tolhido os movimentos dos príncipes que ousaram beijar sua filha Josenira. Esperançoso, o rei implorou: “Cure a minha filha e você será generosamente recompensado.”. Reinaldo era um homem de poucas palavras e disse apenas: “Leve-me até ela.”.

Ao ver Josenira entregue àquele sono que parecia eterno, Reinaldo ordenou ao rei: “Deixe-nos a sós.”. O rei se afastou resignado, enquanto Reinaldo não conseguia tirar os olhos do rosto de Josenira. Ele murmurou: “É você!... Eu passei a usar esta máscara desde aquela noite em que nos beijamos em um sonho, porque eu desejava que você me reconhecesse. Acorde, minha princesa, e olhe para mim... Era o meu beijo que você buscava no dia em que beijou aqueles homens que foram transformados em estátuas. Eles estão vivos, e você também viverá para que possamos repetir aquele beijo quantas vezes você desejar.”.

Reinaldo sorriu no momento em que Josenira abriu os olhos e murmurou docemente: “Beije-me.” Os dois se entregaram a um longo e apaixonado beijo. Uma semana depois, eles se casaram e viveram felizes para sempre.



terça-feira, 8 de setembro de 2015

TUBA E A ILHA DAS MARAVILHAS


Cansado de ver o mundo com um olho só, o pirata Tubarão Escarlate dispensou a tripulação e seguiu sozinho até a ilha das maravilhas, para procurar a flor que a sereia dissera que teria o poder de curá-lo.

Os amigos o chamavam de Tuba, e assim também o chamava a sereia. Certo dia, ela disse: “Você dança com o perigo!... Já perdeu um olho em uma briga e ainda acabará perdendo a vida!... Antes que isso aconteça, Tuba, siga o meu conselho: Construa uma casa na  ilha das maravilhas. Lá, além de encontrar  a flor que tem o poder de curá-lo, você também encontrará a mulher dos seus sonhos.”.

Ao colocar os pés na ilha, Tuba gritou: “Mentirosa!... Mentirosa!... Mentirosa!... Não há nada aqui além de jacarés famintos e macacos atrevidos, que nunca viram alguém tão parecido com eles antes. Se estiver me ouvindo, apareça, sereia!... É como eu suspeitava!... Estou só nesta ilha dos embustes!...”.

A revolta, porém, logo cedeu lugar à admiração, porque Tuba descobriu que bastava pedir, e o que ele desejava aparecia. Ele pensou na casa, e lá estava ela!... Pensou em comida, e uma mesa surgiu com tudo o que ele imaginara.

Em seguida, ele desejou que a flor que tinha o poder de curá-lo aparecesse... Mas quem apareceu, ao seu lado, foi a sereia. Ele perguntou surpreso: “O que aconteceu com você?!... O que houve com a sua cauda?!... Você agora parece uma mulher de verdade e está ainda mais bela!... Responda-me: Onde está a flor para que eu possa ver você com os meus dois olhos?!...”.

A sereia respondeu: “Eu sou a flor que só o seu amor poderá colher... E sou também a flor que poderá curá-lo. O meu nome é Anêmona. Aproxime-se e feche os olhos.”.

Tuba obedeceu, e a sereia, após retirar o tapa-olho vermelho que ele usava sobre o olho esquerdo, beijou suas pálpebras. Quando ele abriu os olhos, um mundo maravilhoso se descortinou ao seu redor!... Aquela era, sem dúvida, a ilha das maravilhas!... As cachoeiras, a vegetação exuberante e os seres mágicos tornaram-se visíveis aos olhos de Tuba. E o amor que ele sentia por Anêmona também floresceu em seu coração. Ele a beijou, e nunca mais foi visto pelos humanos.






segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O URSO CHARMOSO E A URSA FEITICEIRA


Era uma vez um urso muito charmoso, que estava sempre arrumando confusão porque vivia trocando de namorada. Embora ele desejasse se apaixonar eternamente, isso nunca acontecia, e ele continuava buscando o amor em um novo relacionamento.

Os ursos o odiavam, e as ursas, por mais que tentassem resistir aos seus encantos, acabavam se apaixonando, e o final era sempre o mesmo: mais um coração para ser atirado à montanha de corações partidos.

Eu já ouvi dizer que o amor pode se transformar em ódio. Talvez isso seja mesmo verdade, porque uma das ursas que ele namorou foi procurar a ursa que realizava feitiços para dizer: “Aqui está a gaiola que você me pediu que trouxesse. Eu já refleti bastante, e é isso mesmo o que eu quero: vê-lo reduzido até caber nesta prisão. Só assim ele será meu e não conseguirá fugir.”.

Entretanto, o inesperado aconteceu: A ursa feiticeira também se apaixonou por ele quando o capturou; mas, em vez de se sentir atraída, aquele sentimento novo transformou-se em uma barreira entre os dois. Para mantê-lo afastado, ela disse: “Eu nunca me apaixonei, e não será esta a primeira vez porque, no meu caso, não poderá haver uma segunda, ou uma terceira... Eu só me apaixonarei por um urso que ame o amor que eu sentir por ele... A situação é a seguinte: Apesar de não querer ser sua namorada, não vejo sentido em transformá-lo em um pássaro para aprisioná-lo nessa gaiola. O seu único crime é buscar o amor que você sonha existir... O seu coração está ainda mais despedaçado do que os corações que você partiu. Vá e continue se autodestruindo nessa busca insana.”.

O urso partiu. Mas a ursa feiticeira enganou-se quando disse que o coração dele estava despedaçado. Pela primeira vez na vida, ele sentiu a inteireza de seu coração; porque, pela primeira vez na vida, o coração dele estava batendo por uma ursa só.

Ele conseguiu permanecer meses sozinho!... Todos pensaram que ele estivesse doente, e começaram a se preocupar. Mas o urso não estava doente e sim apaixonado pela ursa feiticeira. Ela, por sua vez, também estava apaixonada por ele e começou a perder a concentração, e frequentemente se atrapalhava na realização dos feitiços e no preparo das poções. Um cliente, que foi procurá-la para reclamar da ineficácia de uma poção, comentou sobre a mudança de comportamento do urso.

Uma semana depois, não conseguindo mais suportar a saudade, a ursa feiticeira resolveu sair para investigar se o que ela ouvira era verdade. E, coincidência ou não, no caminho, ela encontrou o urso sentado sozinho à sombra de uma árvore.

Os dois ficaram felizes ao se reencontrarem... Conversaram e juraram amor eterno. Eu ouvi dizer que eles estão juntos até hoje. Ele continua charmoso, mas os seus encantos agora pertencem apenas à ursa feiticeira.



domingo, 16 de agosto de 2015

AS PAUSAS TAMBÉM SÃO NECESSÁRIAS


AS PAUSAS TAMBÉM SÃO NECESSÁRIAS

Quando o que não gostamos termina,
nos sentimos agradecidos e aliviados.
Mas, quando o que amamos sinaliza
que nem tudo é fluxo, e que as pausas
também são necessárias;
a água evapora no momento em que
estamos nadando, e o vento deixa  de soprar
no momento em que estamos voando.

Braços que não encontram água
para continuar nadando...
Asas que perderam a sustentação do vento
e se sentem forçadas a interromper o voo...

Caminhar é preciso,
mas os passos são lentos...
Imaginamos um percurso,
mas a estrada à nossa frente
nos conduzirá a outro lugar...
Melhor ou pior, só saberemos
depois que tivermos chegado...

E, assim é a vida:
Nem tudo é fluxo;
as pausas também
são necessárias.



TANGERINO E A CARTOMANTE


Aquela já era a quinta vez que Tangerino caminhava de uma esquina à outra. Ele ia e voltava, ia e voltava!... E não se encorajava a entrar no prédio onde a Cartomante morava.

Ele gostava de compor e tocar violão nas horas vagas. No início, isso era apenas uma distração. Mas, com o passar do tempo, acabou se tornando algo necessário... Ele só se sentia bem se estivesse casando as notas do violão com as palavras da canção.

Quando ele estava percorrendo pela sexta vez o mesmo trajeto, ele parou na metade e entrou no prédio. A Cartomante o recebeu na sala de jantar do seu apartamento. Tangerino reparou que a decoração era estranha, mas ele preferiu não prestar atenção aos detalhes e ir direto ao assunto que o preocupava.

Ele tencionava despejar o motivo que o conduzira até ali, mas calou-se no momento em que a Cartomante disse: “Espere, não diga nada, porque não é preciso. Está vendo essa cadeira aí, ao seu lado?... Existe um jovem sentado nela. Embora você não consiga vê-lo, ele está aí, e é ele quem o influencia a estar sempre de posse do violão. Quando ele ainda era vivo, ele tocava e cantava durante horas, mas um acidente abreviou a estadia dele neste plano. Como você também é apaixonado por Música, ele permanece ao seu lado, porque deseja ter a oportunidade de inspirá-lo.”.

Contemplando o ar de descrença no rosto de Tangerino, a Cartomante acrescentou: “Você pode não acreditar, mas eu também não estou sozinha. Está vendo esta cadeira aqui do meu lado?... Existe uma mulher sentada nela. Eu possuo vários dons, mas não foi o dom da adivinhação que me falou sobre o rapaz que o acompanha, e sim esta mulher ao meu lado. Em vida, ela gostava de ajudar as pessoas... E é isso o que ela continua fazendo. Você ainda não acredita?!... Tudo bem!... Não precisa acreditar. Saiba apenas que, enquanto a paixão de vocês dois pela Música estiver em sintonia, vocês estarão se beneficiando mutuamente. Agora vá.”.

Tangerino só conseguiu encontrar palavras para perguntar: “Quanto lhe devo?”. A Cartomante respondeu: “Nada, absolutamente nada. Sou eu a devedora, porque você me deu a oportunidade de exercitar o dom que tenho de ver e ouvir as pessoas que se tornaram invisíveis e inaudíveis nesta dimensão.”.

Tangerino agradeceu e já estava se retirando quando a Cartomante lhe disse: “Você também tem um dom muito precioso.”. Apenas para evitar ser indelicado, ele perguntou: “E que dom é esse?...”. E a Cartomante respondeu: “Você confia na intuição e consegue perceber e juntar as peças dos quebra-cabeças que a inspiração constantemente lhe fornece. Virar as costas para essa habilidade afastará certamente o jovem que o acompanha. Mas, ao mesmo tempo, também afastará você de si mesmo. Não questione o dom que Deus lhe deu. Aprimore-o e fortaleça-o, para que ele possa revelar o universo que existe em seu interior.”.



sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A AMBIÇÃO, A MENTIRA E A SAUDADE DO REI


Era uma vez um rei muito ambicioso, que não mediria esforços para que o seu reino prosperasse rapidamente. Ele chegou mesmo a prometer a uma feiticeira que se casaria com ela, se ela tivesse o poder de garantir a prosperidade de seu reino.

A feiticeira amava o rei e cumpriu sua parte no acordo. Mas ela se decepcionou terrivelmente, quando ele confessou na véspera do casamento: “Eu não amo você. Menti que me casaria, porque desejava que o meu reino florescesse. Eu pretendo me casar com a princesa do reino vizinho, para poder ampliar o meu reino.”.

A feiticeira, com o seu manto azul recoberto de estrelas, pareceu mais alta do que era porque esticou o corpo e levantou os braços enquanto dizia: “Você mentiu para mim durante três meses, e o seu filho viverá na escuridão durante trinta anos, porque os olhos dele não suportarão a luz do sol.”. No mesmo instante, ela desapareceu.

No dia seguinte, o rei casou-se com a princesa que garantiria a expansão de seus domínios e de suas riquezas. Após um ano, o primeiro e único filho que o casal teria nasceu.

Eram poucas as pessoas que conheciam o garoto, porque ele frequentava apenas os cômodos que possuíam grossas cortinas cobrindo as janelas.

A ambição do rei cedeu lugar à tristeza e ao arrependimento. Ele não demorou a descobrir que também não amava a sua esposa. E, com o passar do tempo, a saudade começou a pressionar o seu coração. Ele repetia a si mesmo: “Saudade!... Eu deveria odiá-la pelo mal que ela causou ao meu filho e, no entanto, eu sinto saudade!... Como posso sentir saudade se não a amo?!... Se eu não a amasse, não sentiria saudade!... Será que a amo?!... Não!... Não pode ser!...”.

E o inesperado aconteceu... A rainha, que antes brilhava em festas e bailes deslumbrantes, não conseguia se habituar a viver naquele palácio sombrio. Entristecida, ela costumava pensar: “Não é porque o meu filho não suporta a luz que eu sou obrigada a reduzir o meu esplendor!... Eu quero ser feliz!... E, para isso, tenho que voltar a ser livre!... Preciso partir!...”. E, certo dia, a rainha comunicou ao rei que o casamento estava desfeito; ela deixaria o filho aos cuidados dele e voltaria a morar em seu antigo castelo. Embora surpreso com a decisão da rainha, o rei não se animou a colocar objeções... Ele também ansiava pela liberdade porque sentia saudade da feiticeira.

Quando sua ex-esposa partiu, o rei foi procurar a feiticeira para dizer: “Você poderá pensar que estou aqui apenas por causa do meu filho, mas isso não é verdade. Descobri que amo você e peço que me perdoe.”.

Bebendo da sinceridade que parecia haver nos olhos do rei, a feiticeira disse: “Se o que você diz é verdade, o seu filho neste exato momento já está curado. Por outro lado, se o que você diz é mentira, você não tornará a vê-lo porque eu o colocarei sob minha proteção.”.

Esticando o corpo e levantando os braços, a feiticeira pronunciou as palavras: “Ventos, ventos, formem um redemoinho e me tragam o filho do rei se ele estiver mentindo. Agasalhem-no, cubram-no, protejam-no dos olhos deste pai mentiroso!...”.

A feiticeira esperou, esperou, e nada aconteceu... Os ventos permaneceram calmos, e o coração dela também serenou. Com a voz encharcada de paixão, ela perguntou: “Quando você descobriu que me amava?!...”.

O rei, retribuindo a ternura que havia nos olhos da feiticeira, disse: “Eu sempre a amei, mas talvez não quisesse admitir... Foi a saudade que fez com que eu compreendesse que nada tem sentido quando estou longe de você.”. A feiticeira sorriu, e o rei a beijou.

Quando o beijo terminou, o rei ficou surpreso ao verificar que estavam no jardim do palácio. E ele ficou radiante quando ouviu o filho chamando por ele e o viu correndo em sua direção sob a luz do sol.



terça-feira, 11 de agosto de 2015

A CURIOSIDADE E A PRUDÊNCIA DE ALEXANDRE


Alexandre adorava caminhar na praia à noite. Depois, ele sentava e contemplava o mar. Várias vezes, ele adormeceu deitado na areia, sob a luz das estrelas. Em uma dessas ocasiões, ele despertou bruscamente porque se assustou com o barulho ensurdecedor que vinha do mar... As ondas estavam agitadas, e algo, que ele não conseguiu distinguir o que era, foi arremessado em sua direção... Ele se afastou para evitar ser atingido. A partir desse momento, o barulho cessou, e o mar voltou a se acalmar.

Curioso, Alexandre se aproximou do objeto: era um baú amarrado com correntes. Ele pensou que algo muito precioso ou perigoso deveria ter sido trancado dentro daquela caixa de madeira.

Ele levou o baú para a garagem de sua casa e, com o auxílio de um alicate e de uma serra elétrica, conseguiu livrá-lo das correntes. Quando ele abriu o baú, uma fumaça escura, com um cheiro horrível, foi liberada antes que ele conseguisse ver o que havia em seu interior: era uma ânfora e estava lacrada.

Após alguns minutos de hesitação, Alexandre retirou o lacre e teve que se afastar novamente porque havia mais fumaça com aquele odor insuportável no interior da ânfora.

Contrariado, Alexandre exclamou: “É só isso: fumaça?!...”. E o seu coração quase saiu pela boca, quando uma voz, que parecia vir de dentro da ânfora, perguntou: “E o que você esperava?... Responda!... O que você disser que esperava ver será o que você verá em seguida.”.

Alexandre, embora fosse curioso, era prudente. Ele pensou, pensou... E imaginou que, se dissesse “um gênio”, provavelmente a ânfora libertaria um gênio mau. Após refletir muito, ele respondeu: “Bondade.”.

No mesmo instante em que ele disse essa palavra, houve um estrondo, e o baú desapareceu, deixando, em seu lugar, uma corrente que possuía a metade de um coração como pingente.

Uma voz ecoou no teto da garagem: “Você foi sábio... Desejando a bondade, você evitou que a magia armazenada na ânfora fosse reativada. Essa magia pertencia a um gênio mau. Eu consegui aprisioná-la. A sua curiosidade a libertou parcialmente. Se você também tivesse dado ouvidos à ambição, a magia teria despertado o gênio de seu sono profundo. Você, no entanto, desejou que a bondade se manifestasse!... Quem é capaz de desejar algo tão sublime, não pode viver sem amor. Quando você encontrar uma jovem usando um pingente com a outra metade do coração, não tenha medo de se apaixonar, porque é ela a sua alma gêmea. Seja feliz, Alexandre!...”.






segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O DESENHO DE AURÉLIO E A HISTÓRIA DE LILIANA


Por que Liliana gostava tanto de escrever?... Talvez fosse pelo mesmo motivo que Aurélio gostava de desenhar!...

Não!... Liliana escrevia porque a sua natureza sentia necessidade de mergulhar no mundo de sonhos que sua imaginação criava. Mas Aurélio não costumava entregar-se ao devaneio. Ele gostava de observar o mundo ao seu redor e sentia prazer em descobrir o que a sua mão conseguia criar. Não!... Criar talvez não fosse a palavra exata. Representar expressava melhor o que o dom de Aurélio permitia que ele fizesse.

Certo dia, Aurélio e Liliana se encontraram em uma biblioteca. Liliana parou de escrever no momento em que ouviu Aurélio perguntar: “O que você está fazendo?... Uma redação para a escola?”. Liliana respondeu: “Não. Estou escrevendo uma história. O que você está desenhando?!... É um despertador?!... Por que você está desenhando um despertador?!...”.

Aurélio exclamou: “Odeio acordar cedo!... Como não posso destruir o meu despertador porque a minha mãe ficaria furiosa, resolvi desenhar um para detoná-lo.”.

Liliana disse: “Eu não compreendo... Você seria capaz de destruir o seu desenho?!... Em vez de acender o pavio da dinamite, você poderia livrar o despertador dessa ameaça e permitir que eu escrevesse uma história para ele.”.

Aurélio perguntou: “Está falando sério?!... Você está querendo salvar o despertador da destruição para colocá-lo em uma história?!... Ele já está inserido em um contexto trágico: será destruído para não ter a oportunidade de acordar mais ninguém.”.

Liliana levantou-se. Preferia ir embora a iniciar uma discussão sem propósito. Aurélio perguntou: “Aonde vai?... Eu pensei que estivéssemos conversando!... Não me diga que ficou zangada!... Ainda bem que você não viu o que eu faço com os bonecos que desenho!... O último eu cortei ao meio com a borracha. Sente-se, por favor. É como eu disse: são só desenhos!... Você não vai me deixar aqui, falando sozinho, apenas porque eu me divirto destruindo os meus próprios desenhos!...”.

Liliana sentou-se e olhou nos olhos de Aurélio enquanto dizia: “Eu adoro escrever, mas não sei desenhar. As pessoas não são atraídas pelo texto e sim pela imagem... Se eu soubesse desenhar, eu jamais destruiria os meus desenhos. Eu os protegeria e criaria histórias para eles. Esse seu despertador, por exemplo, ele poderia pertencer a um mago que desejava controlar o tempo... Ele poderia apressar os acontecimentos... Bastaria que ele programasse o despertador para que a magia fosse realizada no momento desejado... O toque do despertador substituiria as palavras mágicas...”.

Aurélio não conseguiu segurar o riso quando exclamou: “Você é maluca!... De onde tirou essa ideia que não tem nada a ver com o meu despertador?!... Ele terá um fim mais glorioso sendo destruído do que pertencendo a esse mago que a sua imaginação criou. Por que está chorando?!... Eu não tive a intenção de ofendê-la... Eu só disse o que penso!...”.

Com a voz mesclada de mágoa, Liliana perguntou: “Se eu valorizo o seu desenho, por que você zomba da minha história?!... Por mim, você pode guardar esse seu despertador, explodi-lo, refazê-lo e tornar a destruí-lo quantas vezes tiver vontade!...”.

Olhando nos olhos de Liliana, Aurélio disse: “Eu tenho uma ideia melhor: Apagarei a corda e a dinamite, enfeitarei o despertador e desenharei o mago, que desejava controlar o tempo, ao lado dele. Está feliz agora?...”.

Sorrindo, Liliana respondeu: “Sim. Obrigada!... Você ainda não me disse o seu nome... Eu me chamo Liliana.”. Aurélio retribuiu o sorriso quando disse: “O meu nome é Aurélio. Se você vier aqui amanhã, eu lhe entrego o desenho.”.

Aurélio e Liliana se encontraram no dia seguinte. Ela sorriu ao ver o desenho, e ele leu a história que ela havia escrito. Embora Aurélio ainda pensasse que a história não tinha nada a ver com o despertador que ele desenhara, para evitar aborrecer Liliana, ele preferiu se calar a esse respeito. E aquele foi o início de uma duradoura amizade.




domingo, 9 de agosto de 2015

OS DESENHOS DO MAGO SEVERINO

O mago Severino parecia ter nascido com um dom celeste. Ele não possuía uma varinha e não costumava pronunciar palavras mágicas. Ele era um Artista, e a magia era obtida através de sua habilidade de desenhar tudo aquilo que ele desejasse trazer para esta realidade.

Sim, as criações de Severino se materializavam a partir do momento em que ele acreditava que estivessem prontas. Ele se tornou rico e poderoso. Mas, o que ele mais desejava, seus desenhos não poderiam lhe trazer: amor. Ele poderia dar vida aos animais e às plantas que desenhasse, mas os seres humanos que ele criava permaneciam imóveis no papel.

Para ter amor, ele precisaria se relacionar com as pessoas, e isso ele não conseguiria fazer porque, para agradar-lhes e satisfazer suas ambições, ele teria que passar dias e noites desenhando tudo o que elas lhe pedissem.

Severino criara para si mesmo um mundo que era só seu. Ele vivia cercado pela natureza e, dentro de seu castelo, ele era um rei. Mas Severino não tinha o dom de desenhar sentimentos, e os seus relacionamentos não chegaram a florescer.




sexta-feira, 7 de agosto de 2015

VERÁSIO E O DESAPARECIMENTO DE OLAVO

Os guardas da prisão entreolharam-se antes de um deles comentar: “Ele não é normal. Outro, no lugar dele, não teria presença de espírito para continuar agindo como se nada estivesse acontecendo. Ele pede sempre mais cadernos e canetas!... O que será que ele tanto escreve?!...”.

O outro guarda respondeu: “Histórias. Você tem razão: ele não é normal. Eu ouvi dizer que, antes mesmo de ser preso, ele já vivia isolado naquela cabana e passava horas e horas escrevendo coisas que apenas ele teria vontade de ler. Essas histórias devem ter mexido com a cabeça dele porque  ele insiste em dizer que não teve nada a ver com o desaparecimento do menino. Ele chegou mesmo a afirmar que foi o mago, conselheiro do rei, quem o raptou porque o rei precisava de um herdeiro.”.

E essa era a mais pura verdade. Verásio estava em sua cabana escrevendo quando um menino bateu à porta gritando por socorro. Antes de abrir a porta, Verásio olhou pela janela e viu o garoto lutando para libertar o braço da mão forte que o segurava. E o mago, vestido com seu manto negro, dizia: “Acalme-se, Alteza... Se não se acalmar, acabará se machucando. Beba este líquido, e logo estaremos na dimensão onde os sonhos se realizam.”.

O mago obrigou o menino a beber o líquido viscoso, e os dois desapareceram sem deixar vestígios. Verásio foi preso e não conseguiu provar que nada teve a ver com o desaparecimento do garoto. Ele sempre gostou de escrever, mas agora era por esse motivo que ele escrevia alucinadamente. Ele precisava se conectar àquela dimensão para conseguir trazer o menino de volta.

E finalmente Verásio conseguiu!... Em sua imaginação, ele ouvia o garotinho insistindo que não desejava afastar-se de sua realidade, porque amava Maria e jurara que, quando ele crescesse, se casaria com ela. O amor opera milagres!... Nada do que Olavo dissera antes convenceu o mago e o rei a libertá-lo, mas o amor que ele sentia por Maria era um sentimento puro e raro que precisava ser preservado.

O coração de Verásio tranquilizou-se porque ele guardava a certeza de que Olavo retornaria. 

Na manhã seguinte, o garoto reapareceu, e Verásio foi libertado. Os pais de Olavo só consentiram que Verásio conversasse com ele uma semana depois. Verásio sentiu o abraço gelado da decepção quando verificou que a lembrança de ter estado naquela dimensão em que ele poderia ter se tornado rei tinha desaparecido da  mente de Olavo sem deixar vestígios.