Faísca era o nome da calopsita que havia
conquistado o coração do rei Carlos. O pássaro conhecia todos os aposentos do
castelo como ninguém e, também, o coração das pessoas.
É verdade!... Faísca aprendera a falar e possuía
uma habilidade muito especial: nunca se enganava ao julgar a índole das
pessoas. Se ele dissesse “bom” quando visse alguém, essa pessoa certamente era
confiável. Mas, se ele dissesse “mau” em vez de “bom”, o rei Carlos ordenava ao
chefe da guarda que conduzisse essa pessoa para bem longe de seu reino.
Muitos não acreditavam nessa habilidade da
calopsita e achavam que o rei Carlos a cobria de mimos excessivos. A bela
feiticeira que morava na floresta, no entanto, guardava certo receio em relação
a Faísca. Ela constantemente dizia a si mesma: “Bobagem, bobagem!!!... Aquele
pássaro jamais conseguiria descobrir os meus planos!... Por que, em vez de
ficar enfeando aquele castelo com sua presença, ele simplesmente não parte em
busca de uma companheira?!... Eu ainda hei de me livrar dele!...”
E a feiticeira conseguiu mesmo encontrar um modo
de evitar que Faísca a desmascarasse. No dia em que ela foi visitar o castelo,
o rei Carlos a recebeu com sua calopsita no ombro. O olhar da feiticeira estava
colado ao bico do pássaro. No momento em que ela percebeu que ele se preparava
para dizer “mau”, ela mentalmente ordenou-lhe que se calasse e caísse em um
sono profundo.
As horas se passavam, Faísca não acordava, e o
rei começou a se preocupar. Amanda, uma jovem que ajudava na arrumação e
limpeza do castelo, sentiu falta da visita que a avezinha costumava fazer-lhe e
resolveu procurá-la. Durante a busca, um dos criados contou-lhe que a calopsita
havia adoecido repentinamente e estava repousando nos aposentos do rei.
Para certificar-se de que o quarto do rei Carlos
estaria vazio, Amanda esperou até o momento em que o jantar seria servido. Ao
entrar no quarto, ela se compadeceu de ver o pássaro imóvel como uma
estátua e começou a acariciá-lo.
O rei, que perdera completamente o apetite e
resolvera recolher-se antes do horário previsto, surpreendeu-se ao encontrar a
porta aberta e ficou encantado ao observar o carinho da jovem pelo seu pássaro
de estimação.
Desconcertada, Amanda desculpou-se pelo
atrevimento, e ele disse: “Eu não me lembro de tê-la visto antes... Há quanto
tempo está hospedada no castelo?” Confusa, Amanda respondeu: “Eu nasci neste
castelo. Sou uma das arrumadeiras.”
Nesse meio tempo, a feiticeira, que seguira o rei
para insistir que ele terminasse a refeição, entrou no quarto e aborreceu-se ao
verificar o olhar afetuoso que ele endereçava à jovem. Ela ficou ainda mais
contrariada quando a calopsita despertou subitamente e disse: “Mau.” Procurando
contornar a situação, a feiticeira exclamou: “Majestade, expulse essa criada do
castelo!... Não ouviu o que o seu pássaro disse?!...”
Sem perder a serenidade o rei ordenou à jovem:
“Deixe-nos a sós e cuide para que a calopsita seja alimentada. Depois peça para
o chefe da guarda vir até aqui.”
Quando Amanda se afastou, o rei disse à
feiticeira: “Eu não poderia permitir que a minha futura rainha presenciasse uma
cena tão desagradável. Foi você quem enfeitiçou o meu pássaro porque teve
receio que ele revelasse a maldade que existe em seu coração. Você partirá
ainda hoje.”
Antes de se transformar em um corvo e ganhar o
céu através de uma janela aberta, a feiticeira exclamou: “Tolo!... Ao meu lado,
você teria se tornado o rei mais poderoso que o mundo já conheceu!... Que
futuro o aguarda ao lado de uma criada e de sua calopsita?!...”
Quando o chefe da guarda entrou no quarto do rei,
surpreendeu-se ao vê-lo feliz e bem-humorado. E a ordem que recebeu não foi
para expulsar alguém, e sim para providenciar os preparativos para o casamento.
Texto: Sisi Marques
Foto: Mariangela Gallani