sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O HOMENZINHO E O GATO DO GIGANTE



O homenzinho, que havia sido capturado pelo gigante, costumava dizer: “Eu confiei em você... Você disse que era justo e bom... Você prometeu que cuidaria bem de mim e me libertaria quando tivesse juntado trezentas moedas de ouro. Quantas moedas conseguimos ganhar hoje?...”

O gigante costumava responder: “Poucas, pouquíssimas!... Ainda faltam muitas!... Por que você vive reclamando?!... Eu sempre cuidei de você!... Só o que peço é que dance para entreter o meu público. A promessa ainda está de pé: quando eu tiver juntado trezentas moedas na caixa, você estará livre.”

O homenzinho não se cansava de perguntar: “Quantas moedas existem na caixa?!...” O gigante respondia: “Poucas, pouquíssimas!... Ainda faltam muitas!... E elas não aumentarão se você se recusar a trabalhar.”

Certo dia, exausto de tanto dançar, o homenzinho deitou na caminha que o gigante havia colocado para ele dentro da gaiola. Ele se sentiu incomodado ao perceber que o gato do gigante o observava. Com certo receio, ele perguntou: “Por que você está me olhando desse jeito?!... Não está pensando em me comer!... Era só o que me faltava!...”

O gato exclamou com desdém: “Você é burro mesmo!... Não sei por que perco o meu tempo tentando ajudá-lo!... Você não frequentou a escola?!... Não aprendeu a contar?!... Eu aprendi só de ouvir o filho do gigante resolver as contas em voz alta. Todos os dias, eu ficarei observando e contarei as moedas que o gigante tirar do bolso. O mesmo número de moedas que ele colocar dentro da caixa será o número de risquinhos que farei no chão, perto de sua gaiola, com minhas garras afiadas.”

Preocupado, o homenzinho perguntou: “E quanto às moedas que estão dentro da caixa?!... Não podemos nos esquecer delas.” O gato exclamou: “Aquelas moedas ficarão sim no esquecimento, porque não sabemos quantas são. Começaremos a contar a partir de agora. Quem não conhece os números fica sempre com o prejuízo!...”

O homenzinho se calou, porque percebeu que o gato estava certo. Na escola, ele sempre tivera dificuldade em Matemática, e nunca se preocupou em aprender. Agora, para sair daquela enrascada, ele precisava confiar no gato do gigante.

Aproximadamente um mês depois, o gato disse ao homenzinho: “Faltam apenas dez moedas. Se o gigante tirar dez ou mais moedas do bolso, você estará livre.” Naquela mesma tarde, o gigante retirou treze moedas do bolso. Mas, quando o homenzinho perguntou quantas moedas havia na caixa, ele respondeu: “Poucas, pouquíssimas!... Ainda faltam muitas!... E elas não aumentarão se você se recusar a trabalhar.”

O gigante se surpreendeu quando ouviu o homenzinho afirmar: “Você mente. Mentiu para mim durante todo esse tempo. Só neste mês, eu consegui ganhar para você trezentas e três moedas. Quantas mais existem na caixa?!... Você não cumpriu sua palavra, e eu exijo que me liberte agora mesmo.”

O gigante esquadrinhou o rosto do homenzinho por alguns minutos. Ele custava a crer que a sua “mina de ouro” tivesse aprendido a contar!... Dessa vez, foi o homenzinho quem se surpreendeu, quando ouviu o gigante dizer depois de abrir a porta da gaiola: “Pode ir. Você está livre. Eu só o mantinha preso, porque conseguia enganá-lo. Agora, que você aprendeu a contar, eu prefiro libertá-lo a ouvir você dizer que não cumpro minhas promessas.”

Antes de partir, o homenzinho procurou o gato do gigante para agradecer-lhe, mas não conseguiu encontrá-lo. Ele já estava caminhando na gigantesca estrada, com seus pezinhos minúsculos, quando o gato apareceu de repente. Assustado, o homenzinho exclamou: “Por favor, não me coma!... Eu estava mais seguro naquela gaiola!...”

Dando de ombros, o gato exclamou: “Você é burro mesmo!... Não sei por que ainda perco o meu tempo tentando ajudá-lo!... Suba nas minhas costas. Eu não poderia  deixá-lo fazer todo esse percurso sozinho.”

Talvez fosse desnecessário dizer que o homenzinho e o gato se tornaram amigos inseparáveis e viveram felizes para sempre, porque eles eram muito espertos, e ninguém conseguia enganá-los.




quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

MARCÍLIO E O SENHOR DOS DESTINOS



Marcílio era o nome do homem que já havia morrido cinco vezes e, sempre que entrava no céu, ouvia o senhor dos destinos dizer: “Não, não, não, não, não!... Aqui você não pode ficar!... Você terá que nascer novamente e viver sua vida outra vez. Seus pais serão outros, seu corpo será outro, seu nome será outro, e as circunstâncias também serão diferentes. Na sua última vida, você não aprendeu nada!... Agora terá que retornar!...”

Ouvir o mesmo discurso quatro vezes já havia sido terrível!... Ouvi-lo pela quinta vez era mais do que Marcílio poderia suportar!... Revoltado, ele gritou: “Você é um incompetente!... Não sabe o que está dizendo!... Eu exijo falar com o seu superior!... Eu quero que ele me diga o que foi que eu ainda não aprendi, se é que deixei de aprender algo!...”

O senhor dos destinos, sem alterar o tom de voz, disse pacientemente: “Eu lhe farei uma pergunta. Se você conseguir responder ‘sim’ a essa pergunta, poderá permanecer aqui... Você aprendeu a ser feliz?”

Após alguns minutos de silêncio, embaraçado, Marcílio olhou para o chão e respondeu: “Não.” O senhor dos destinos disse: “Então, você não aprendeu nada e terá que retornar!...”

Marcílio ainda tentava reverter a situação quando exclamou: “Isso não é justo!... Para ter sido feliz, eu teria que ter feito o que eu desejava!... Mas havia sempre alguém dizendo que eu não poderia ser egoísta!... Que eu não deveria pensar só em mim!...”

O senhor dos destinos encerrou o encontro dizendo: “A única exigência que a vida lhe faz é que você seja feliz. Não se pode agradar a todos, sem entristecer o próprio coração.” 



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O CONQUISTADOR GIROVALDO E A CIDADE DA LUZ



Girovaldo era o nome do conquistador mais temido que já existiu. Ele era o chefe da guarda  do rei Guilhermino, e ninguém ousava questionar suas ordens. 

Certo dia, durante a comemoração de mais uma de suas vitórias, ele disse ao rei: “O seu império não estará completo, enquanto não acrescentarmos a ele a Cidade da Luz.” Com um sorriso que expressava toda a sua ambição, o rei exclamou: “Eu sonho com essa conquista desde os seis anos!... O meu pai sempre me disse que não havia triunfo maior!... Apesar disso, você sabe quais são os riscos. Eu ainda sou muito jovem para acolher uma maldição sobre os meus ombros!...” Irradiando confiança, Girovaldo respondeu: “Não tema, Majestade!... É bem provável que o fundador da cidade tenha inventado as histórias para manter os curiosos afastados. Embora elas tenham permanecido vivas durante séculos, não passam de lendas e superstições que se agigantaram devido ao medo e à ignorância das pessoas que as reproduzem de geração em geração.”

Um mês depois, Girovaldo partia com seu exército em busca da reluzente cidade. Ele levou cinco anos para encontrá-la. Mas toda a impaciência, que o consumira durante a espera, dissipou-se quando o seu exército se posicionou ao redor da pedra magnífica, que conferia à cidade todo o seu esplendor. A gigantesca pedra parecia ter se desprendido do Sol, e o seu brilho derretia a coragem dos valentes soldados. O receio, pouco a pouco, transformou-se em temor, e eles fugiram para evitarem tocar na pedra que deveriam transportar para o seu rei.

Ao vê-los correrem como coelhos assustados, Girovaldo gritou: “Voltem, covardes!... A cidade está vazia!... Não me digam que acreditam nas histórias sobre a pedra?!... Ela é apenas um cristal, e o seu brilho não poderá queimá-los!... Não precisam temer!... Vejam: eu serei o primeiro a tocá-la!...”

Os soldados, que começavam a retornar movidos pela exortação de seu comandante, presenciaram o terrível espetáculo: a luz da pedra envolveu o corpo do valente conquistador e o puxou para si. No mesmo instante, a onda de pavor foi substituída por uma sensação de paz, quando eles viram os habitantes da cidade saírem de seus esconderijos para se reunirem ao redor da pedra. Um ancião, tocando a pedra, disse: “A luz consumiu o corpo do seu amigo porque ele não desejava beneficiar-se de seus poderes curativos. Ele tencionava roubá-la. Ninguém rouba um presente do céu.”

Os soldados permaneceram calados e foram se afastando lentamente. Apenas um deles ousou tocar a pedra, porque o seu coração estava sendo atormentado por uma mágoa profunda, e ele desejava livrar-se daquele sentimento devastador. A luz o envolveu, e ele sorriu ao sentir-se vivificado por aquela luz. Quando ele se sentiu livre daquele desconforto que lhe roubara a paz durante anos, ele se afastou da pedra. Mas, em vez de partir com os seus amigos, ele preferiu permanecer na Cidade da Luz.