quinta-feira, 6 de março de 2014

ENCONTRO COM UM ANJO

Você acreditaria se eu lhe dissesse que ontem um anjo estendeu a mão para evitar que eu caísse? Eu estava voltando do trabalho, com os pés no chão e a cabeça nas nuvens, quando uma senhora me disse: “Choveu, e as flores que caíram das árvores foram amontoadas nessa esquina pela minha vizinha, e formaram uma camada limbosa e escorregadia. Eu mesma já caí e estou com o tornozelo inchado. Contorne, atravesse a rua e siga pela outra calçada.”

A atenciosa senhora levantou a barra da calça, para que eu pudesse ver o estrago que o tombo havia causado, e continuou caminhando ao meu lado. Depois de contornarmos as flores esmagadas que, segundo ela, “pareciam ter formado uma camada de areia movediça que colocava em risco até mesmo os carros que dobravam a esquina”, atravessamos a rua e, após alguns passos, cruzamos a rua novamente e mudamos de calçada. Paramos bem em frente ao sobrado onde ela disse que morava.

Como estou sempre com a cabeça nas nuvens, embora eu passe constantemente por aquela rua, não costumo prestar atenção às casas e, muito menos, aos moradores. A mulher era falante, e eu tive que esperar até que ela terminasse para que eu pudesse agradecer e me despedir.

Hoje, quando passei em frente ao sobrado, vi um senhor beirando noventa anos, sentado em um banco próximo ao jardim. Cumprimentei-o e perguntei se a senhora, que havia caído nas flores amontoadas na esquina, era sua filha, e ele me disse: “Eu sou viúvo e não tenho filhos. Mudei recentemente para cá e vivo aqui sozinho.”

Eu me desculpei pelo inexplicável engano e atravessei a rua para esquivar-me novamente das flores que, segundo aquele anjo, poderiam ter sido motivo de sofrimento e pesar.  

Você teria alguma história semelhante para contar? Eu admito que menti. Embora ontem tenha sido a primeira vez que conversei com aquela senhora, ela realmente mora naquele sobrado, e não havia nenhum senhor sentado próximo ao jardim. Mas o fato de eu ter inventado o final desta história não muda a grande verdade: um anjo não precisa ter asas e ser incorpóreo; ele pode ser de carne e osso... O que torna as pessoas anjos ou demônios está relacionado com a quantidade de bondade e empatia que elas conseguiram amealhar no coração.


Sisi Marques

Nenhum comentário:

Postar um comentário