Por que Liliana gostava
tanto de escrever?... Talvez fosse pelo mesmo motivo que Aurélio gostava de
desenhar!...
Não!... Liliana
escrevia porque a sua natureza sentia necessidade de mergulhar no mundo de
sonhos que sua imaginação criava. Mas Aurélio não costumava entregar-se ao
devaneio. Ele gostava de observar o mundo ao seu redor e sentia prazer em
descobrir o que a sua mão conseguia criar. Não!... Criar talvez não fosse a
palavra exata. Representar expressava melhor o que o dom de Aurélio permitia
que ele fizesse.
Certo dia, Aurélio e
Liliana se encontraram em uma biblioteca. Liliana parou de escrever no momento
em que ouviu Aurélio perguntar: “O que você está fazendo?... Uma redação para a
escola?”. Liliana respondeu: “Não. Estou escrevendo uma história. O que você
está desenhando?!... É um despertador?!... Por que você está desenhando um
despertador?!...”.
Aurélio exclamou: “Odeio
acordar cedo!... Como não posso destruir o meu despertador porque a minha mãe
ficaria furiosa, resolvi desenhar um para detoná-lo.”.
Liliana disse: “Eu não
compreendo... Você seria capaz de destruir o seu desenho?!... Em vez de acender
o pavio da dinamite, você poderia livrar o despertador dessa ameaça e permitir
que eu escrevesse uma história para ele.”.
Aurélio perguntou: “Está
falando sério?!... Você está querendo salvar o despertador da destruição para colocá-lo
em uma história?!... Ele já está inserido em um contexto trágico: será
destruído para não ter a oportunidade de acordar mais ninguém.”.
Liliana levantou-se.
Preferia ir embora a iniciar uma discussão sem propósito. Aurélio perguntou: “Aonde
vai?... Eu pensei que estivéssemos conversando!... Não me diga que ficou
zangada!... Ainda bem que você não viu o que eu faço com os bonecos que
desenho!... O último eu cortei ao meio com a borracha. Sente-se, por favor. É
como eu disse: são só desenhos!... Você não vai me deixar aqui, falando
sozinho, apenas porque eu me divirto destruindo os meus próprios desenhos!...”.
Liliana sentou-se e
olhou nos olhos de Aurélio enquanto dizia: “Eu adoro escrever, mas não sei
desenhar. As pessoas não são atraídas pelo texto e sim pela imagem... Se eu
soubesse desenhar, eu jamais destruiria os meus desenhos. Eu os protegeria e
criaria histórias para eles. Esse seu despertador, por exemplo, ele poderia
pertencer a um mago que desejava controlar o tempo... Ele poderia apressar os
acontecimentos... Bastaria que ele programasse o despertador para que a magia fosse
realizada no momento desejado... O toque do despertador substituiria as
palavras mágicas...”.
Aurélio não conseguiu
segurar o riso quando exclamou: “Você é maluca!... De onde tirou essa ideia que
não tem nada a ver com o meu despertador?!... Ele terá um fim mais glorioso
sendo destruído do que pertencendo a esse mago que a sua imaginação criou. Por
que está chorando?!... Eu não tive a intenção de ofendê-la... Eu só disse o que
penso!...”.
Com a voz mesclada de
mágoa, Liliana perguntou: “Se eu valorizo o seu desenho, por que você zomba da
minha história?!... Por mim, você pode guardar esse seu despertador,
explodi-lo, refazê-lo e tornar a destruí-lo quantas vezes tiver vontade!...”.
Olhando nos olhos de
Liliana, Aurélio disse: “Eu tenho uma ideia melhor: Apagarei a corda e a dinamite,
enfeitarei o despertador e desenharei o mago, que desejava controlar o tempo,
ao lado dele. Está feliz agora?...”.
Sorrindo, Liliana
respondeu: “Sim. Obrigada!... Você ainda não me disse o seu nome... Eu me chamo
Liliana.”. Aurélio retribuiu o sorriso quando disse: “O meu nome é Aurélio. Se
você vier aqui amanhã, eu lhe entrego o desenho.”.
Aurélio e Liliana se
encontraram no dia seguinte. Ela sorriu ao ver o desenho, e ele leu a história
que ela havia escrito. Embora Aurélio ainda pensasse que a história não tinha nada
a ver com o despertador que ele desenhara, para evitar aborrecer Liliana, ele preferiu se calar a
esse respeito. E aquele foi o início de uma duradoura amizade.
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